Por meses, os efeitos da política comercial agressiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump pareciam, em grande parte, teóricos. Mas, com a ampliação das tarifas prevista para 1º de agosto e uma semana decisiva pela frente para a agenda econômica do presidente, os primeiros sinais concretos começam a aparecer.
No podcast The Big Take, o repórter sênior de economia da Bloomberg, Shawn Donnan, se reuniu com David Gura, âncora e correspondente da Bloomberg News, para analisar as consequências das tarifas que, embora visíveis, passam despercebidas. Eles analisam quais setores e países estão sendo mais impactados pelas medidas.
Veja abaixo a transcrição da conversa:
David Gura: A guerra comercial do presidente Trump está entrando em seu quarto mês, e nos aproximamos de um momento decisivo. Sexta-feira (1º de agosto) marca o fim da pausa estendida que o presidente implementou nas tarifas “recíprocas” – com a promessa de novos acordos comerciais e investimentos na produção nos EUA depois disso.
Esta semana também teremos uma série de dados que mostrarão como está a economia americana: informações sobre o PIB, confiança do consumidor e o relatório de empregos de julho. Também é uma semana movimentada para os balanços corporativos. No meio de tudo isso, haverá uma reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA, e os jornalistas terão a chance de perguntar ao presidente do Fed, Jerome Powell, como ele vê os efeitos da guerra comercial sobre a economia dos EUA.
Donnan: As tarifas de Trump causaram essa incerteza na economia americana e global. Isso gerou dois efeitos principais: freou os investimentos de empresas que não sabem onde alocar capital e, em segundo lugar, reduziu as contratações. E já começamos a ver essa retração nos investimentos.
Gura: As empresas em todo o mundo estão cortando custos, ajustando cadeias de suprimento e repensando seus planos de investimento e expansão.
Donnan: Vimos as importações para os EUA primeiro aumentarem e depois caírem. As exportações chinesas para os EUA encolheram. Houve uma queda de 25% nas exportações do Japão – especialmente de carros – para os EUA, devido às tarifas. Japão e Canadá estão à beira de recessão.
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Gura: No total, a Bloomberg Economics estima que o PIB global poderá sofrer um impacto de US$ 2 trilhões até 2028, quando Trump deixaria o cargo. Mas quem está sentindo mais esse baque?
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Casos práticos pelo mundo
Donnan: Nossos colegas na França conversaram com a maior cooperativa de vinhos orgânicos do país, localizada na região de Languedoc. Eles estão literalmente com 2,7 milhões de garrafas de vinho estocadas – que não foram vendidas. Um dos principais motivos: um quarto de todo o vinho europeu é exportado para os EUA, e essas exportações praticamente pararam.
No Japão, empresas de autopeças começaram a demitir por causa da queda nas exportações. No Canadá, o impacto é semelhante. No Vietnã, fornecedores foram orientados por empresas americanas a não enviarem produtos – com medo de tarifas – e, depois, receberam sinal verde para enviar tudo rapidamente antes que as tarifas subissem.
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Os dados que mostram o impacto
Gura: Onde os dados econômicos revelam os efeitos das tarifas?
Donnan: O principal indicador é o investimento empresarial – o chamado investimento fixo não residencial. Isso mostra como as empresas apostam no futuro da economia americana, construindo fábricas e galpões.
Essa é a grande promessa do governo Trump: que as tarifas forçarão a produção a voltar para os EUA. Mas, para isso acontecer, é preciso investimento.
Segundo o índice GDPNow do Fed de Atlanta, no segundo trimestre, o crescimento dos investimentos foi de apenas 0,1% – um nível muito baixo, perto de território recessivo. Se isso se confirmar nos números do PIB desta semana, será um sinal de alerta para a economia americana.
A retórica e a realidade
Gura: Existe um contraste entre a retórica de Trump e os dados?
Donnan: Sim. Há sempre exagero. Trump vende promessas grandiosas, mas os resultados reais são modestos. Ele acredita que tarifas resolvem de tudo – da crise dos opioides ao desemprego industrial. Seus assessores acham que o livre comércio foi longe demais e querem reconstruir barreiras.
Mas os economistas alertam: isso tem um custo. Tarifas geram preços mais altos, tanto em produtos importados quanto nos nacionais. O aço nacional, por exemplo, sobe junto. Isso afeta desde máquinas de lavar até carros. O custo de produção aumenta, o crescimento desacelera e as empresas investem menos.
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A promessa de investimentos – e a dúvida
Gura: Há sinais de que o investimento prometido está vindo?
Donnan: Trump fala em US$ 15 trilhões em investimentos – metade do PIB americano – o que é improvável. Há promessas, como um fundo de investimento de US$ 500 bilhões com o Japão, mas sem detalhes concretos. Leva anos para esses planos virarem realidade.
A ideia de Trump é: “se quiser vender para os americanos, produza aqui”. Mas se produzir nos EUA ficar mais caro, o incentivo ao investimento diminui.
O mundo reage
Gura: E o resto do mundo?
Donnan: Outros países estão se voltando uns aos outros. A União Europeia fechou acordo e o bloco latino-americano está perto. O Reino Unido se juntou ao Acordo Transpacífico (TPP), que cresceu desde que os EUA saíram. O mundo continua girando – e buscando alternativas aos EUA. Isso preocupa.
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E se os EUA continuarem isolados?
Gura: Qual o risco se os EUA mantiverem essa política?
Donnan: A economia mundial vai se adaptar, mas o crescimento será mais lento. A General Motors, por exemplo, pagou US$ 1,1 bilhão em tarifas no segundo trimestre. E a empresa espera pagar até US$ 5 bilhões no ano. Isso reduz lucros, investimento e contratações.
Outros setores em risco
Gura: Além do setor automotivo, há outros impactados?
Donnan: Sim. Vêm mais tarifas por aí, inclusive sobre remédios. O setor farmacêutico está em alerta. Outro setor crítico são os semicondutores – vitais para tudo. Trump quer investigar o impacto de importações sobre a segurança nacional, incluindo minerais estratégicos.
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Não é só um setor – é tudo. Minha camisa foi feita na China. Na próxima vez, será mais cara – ou virá de outro lugar. Mas não será feita na Carolina do Norte. É um aumento de preços crônico.
Historicamente, os EUA cresceram abrindo mercados. Já a Argentina seguiu o caminho do protecionismo e teve desempenho inferior. A pergunta é: os EUA continuarão dinâmicos ou se tornarão uma versão reduzida de si mesmos?
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A complacência dos mercados
Gura: As bolsas estão em alta. Mas os investidores estão preocupados?
Donnan: É difícil saber, pois grandes empresas de tecnologia distorcem os índices. Mas veja o caso da GM, que perdeu valor após informar que seus lucros caíram 35% por causa das tarifas. Os sinais estão aí.
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Outro ponto interessante são os mercados cambiais. O dólar teve, no primeiro semestre, sua pior performance desde 1973, quando Nixon abandonou o padrão ouro. Isso mostra que partes do mercado financeiro estão mais preocupadas com tarifas do que parece.
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